quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Experienciar um momento de perda é algo muito doloroso. O passamento de minha avó na sexta-feira passada permitiu-me compreender melhor a questão existencial do ser humano. Durante um período um pouco maior que duas semanas pude refletir dentro daquele hospital como nossa vida é efêmera e cíclica, como somos tão pequenos diante das leis divinas e como somos tão impotentes a ponto de não termos o domínio nem de nossa própria vida. Acompanhar o intenso sofrimento de alguém que luta pra viver dentro de um ambiente o menos agradável possível é uma atividade de tornar qualquer pessoa mais humana.Na quinta-feira,um dia que antecedeu ao seu falecimento , senti que aquela era a última noite que eu iria sentir a presença daquela que abdicou toda sua vida em função daqueles que ela amava.Foi uma noite angustiante no qual passei a noite a espreitar a frecha da janela da U.T.I para vê se ela estava bem acomodada , pra poder perceber algum sinal que me pudesse sinalizar qualquer coisa.Como não pude ter o prazer de dormir pertinho dela e como naquele momento eu ali era muito pequeno para tentar alterar essa imposição que me tinha sido relegada, contentei-me com a minha real situação e foi nesse instante que iniciei um diálogo com o meu Senhor.Pedi inicialmente pra que ele não a levasse pois o sentimento que eu devotava a ela era algo imensurável e que causava desequilíbrio só em imaginar que eu não ouviria mais aquelas constantes queixas que ela me confidenciava, que eu não iria mais ser defendido quando minha mãe me dava uma repreensão, que eu nunca mais ia passar a horas a fio massageando aquelas pernas de tão longas caminhadas, que eu nunca mais poderia dá um abraço,nem um beijo,nem conversar com uma mente tão lúcida de uma época que dava saudosismo mesmo não tendo sido vivida por mim. Mas o que mais dói é a saudade, na qual a mais dolorida é a de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Saudade é basicamente não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos; não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento; não saber como frear as lágrimas diante de uma música; não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche. É somente quando amadurecemos enquanto seres humanizados que passamos a compreender o real sentido da vida, primando em nossas condutas sociais pelos valores que nos asseguram o passaporte para a verdadeira vida. Num momento de dor como este devemos,sobretudo esquecer as diferenças, aproximar-nos mais um dos outros, sermos mais lúcidos no que concerne ao significado da família, compreender a brevidade de nossa vida e,acima de tudo dá continuidade ao que ela plantou,embora isto esteja em desacordo com a nossa tão desvirtuosa natureza humana.É momento de paz e maturidade.É momento de valorizar mais o significado das relações interpessoais do que o valor que atribuímos a um papel.Ajamos com a consciência de que aquele que rege todas as coisas está a nos observar e que ainda que queiramos fugir de seus olhos ,ele consegue sondar o mais íntimo do nosso ser.Eis a máxima : do pó viemos e para ele retornaremos.Questionemos: “Posso tendo as mãos vazias com Jesus eu me encontrar?Nada fiz e vão-se os dias que lhe posso apresentar?” O tempo não é eterno e o amanhã pode ser muito tarde. Devemos pensar que o presente é agora e o futuro pode não existir. Vitor Ronaldo Costa em seu livro Gerenciando as Emoções explica que “se alguém alimenta um sentimento de culpa, em decorrência de um mal cometido intencionalmente, o bom-senso recomenda que se busque a solução do impasse na prática inadiável de uma atitude enobrecida. A anulação do remorso sugere a tomada de duas providências essenciais: o cultivo da humildade e o pedido de perdão”.Confortemo-nos pois Deus está planejando algumas reuniões maravilhosas. Os filhos serão devolvidos a seus pais, maridos e mulheres se entregarão a um terno e caloroso abraço. As separações cruéis da vida estarão terminadas. "A morte foi destruída pela vitória". (I Coríntios 15:54).Encerro com um pequeno poema de Vinícius de Morais
Para isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.
Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.
Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.
Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.